
É de manhã que a sua fome de amor se acalma.
Se enrola no lençol branco e dorme, nascidocomo se tivesse acabado de nascer;
os raios de sol encortinam-se nos seus cílios e pincelam de dourado o quarto;
e tudo em volta é silêncio e imóvel permanência,
até o final dos dias.
Como se o tempo não fosse o portador de ruínas,
ainda que também de discernimento.
O tempo que se veste de sol, durante o dia, e de lua, à noite,
para se camuflar com sua idade primeva e inaugural das trevas.
Entre o azul e o lilás do seu manto,
eis um senhor desdentado e vestido de outono,
sem nenhum pudor de suas folhas secas.
Nos milharais da infância, tua têz era sanguínea.
Com o arado em riste, fazia brotar tuas sementes.
Teu sêmen povoava a terra herdada dos seus antepassados,
e tudo era vôo de pássaro e água fresca da fonte.
Agora, está só no mundo.
Tudo em volta é desesperança
e sol quente do meio-dia.
Riso amarelado de demônio,
meio demente.
Nenhum chapéu para proteger tua fronte.
O suor salgado, machuca-lhe a pele cortada pelas folhas finas do capinzal.
Teus lábios ressequidos buscam o cálice esquecido entre as baldranas,
penduradas no paiol.
Fecha os olhos e finge dormir…
Penteia os cabelos da madrugada em seu colo,
entre vígilias e despertares abruptos;
os gritos roucos no meio da noite despertam a ira dos ratos,
mas nem sua mãe vem aplacar-lhe os soluços.
O vento barbudo lá fora não ousa um balbucio.
Teus dias já estão arrancados do calendário, bem o sabes,
mas carregas a tua cruz
com a convicção dos homens crentes na sofreguidão das horas,
no amanhecer dos dias que virão depois,
para os teus descendentes.
É de manhã que a sua fome de amor se acalma.
Então, adormece, renascido.
Marisa Sevilha